domingo, 3 de março de 2024

"As cantigas são tantas, que a mim até se mudam"


As cantigas são tantas, que a mim até se mudam - 
Ensaio sobre a paisagem,  Filipe Faria.

1. "As  cantigas são tantas, que a mim até se mudam", é o nome da exposição de Filipe Faria inaugurada no dia 18/11/2023, no Centro Cultural Raiano, com a participação musical de Fátima Torrado Milheiro. O evento integra o Programa "Fora do lugar".

A exposição "Som Sobre Fotografia" integra cantigas e fotografias de São Miguel de Acha. É uma exposição sobre os sons que estão dentro dos lugares e das pessoas de S. Miguel de Acha a que dá voz Fátima Torrado Milheiro. É uma exposição sobre a existência e a importância dos sons nos eventos da vida.

2. É também um livro com as fotografias da exposição de Filipe Faria e uma longa entrevista a Fátima T. Milheiro. 

Como é referido por Filipe Faria no belo livro sobre o evento, é possível que o som nunca se extinga e se tivéssemos uma máquina que o captasse - como dizem que dizia Marconi - podíamos  ouvir  esse som sempre que quiséssemos.

"Podíamos ouvir tudo. Ouvir a primeira inspiração dos nossos filhos e dos nossos pais. Ouvir o primeiro grito da Humanidade, cada sermão, conselho sábio ou riso de todas as gerações. Ouvir o som grave da primeira erupção ou o canto agudo daquela ave que escapou para longe. Todos nós podíamos ouvir tudo. Ouvir tudo, para sempre. 
Depois de produzido, o som não morria mas perdia poder, enfraquecia. Estas ondas sonoras, fracas, sem destino preciso, permaneciam eternamente a flutuar. Qualquer som podia, em teoria, ser recuperado. Ouvido pela primeira ou pela enésima vez. Qualquer som de qualquer lugar ou tempo passado. O primeiro e o último. Um som perdido podia ser ouvido, novamente, com o equipamento certo. Um equipamento poderoso. Um que conseguisse ouvir e escolher. Um por inventar. 
Todos os sons são sons perdidos… "

Como não há máquina que os possa captar, temos, felizmente, outro dispositivo altamente sofisticado, chamado memória. Uma memória que preserva tudo o que foi a nossa vida ao longo do tempo, que gravou, seleccionou e é capaz de reproduzir todos os acontecimentos que vivemos. Foi isso que Filipe Faria levou a efeito na exposição/canto em que o som se liga aos lugares, casas, ruas, pedras, equilíbrios arquitectónicos, paisagens, caminhos, os lugares que "ouviram" as canções de roda, os lugares altaneiros, as torres onde aconteceu e acontece "a encomendação das almas".
O som anda por aí, pelas ruas, se nos pusermos à escuta, profundamente, descobrimos esse som em cada pessoa de S. Miguel ou em cada imagem das pedras, das janelas, das coisas mais organizadas ou desorganizadas.

Alguns sons são especiais. Podemos lembrar o som da fala da mãe, do pai, dos irmãos, dos amigos, dos que nos amam muito e também dos que não gostam de nós. Há um som particularmente importante: O som do meu nome. O nosso nome, o nome de uma pessoa é o som mais importante e doce de qualquer linguagem. (Dale Carnegie, Como fazer amigos e influenciar pessoas)

O som pode ser ruído, experiência desagradável, e ferir, literalmente, os nossos sentidos. De resto, o som ajuda no equilíbrio da mente. É dessa forma que os bebés  pacificam, com uma canção de embalar, e não só os bebés, basta ouvir, por ex., Lullaby de Brahms para nos acontecer a mesma serenidade. Sobre a origem da angústia infantil, escreve Freud sobre um pequeno rapaz de três anos: "Um dia em que ele se encontrava  num quarto sem luz, ouvi-o gritar: 'Tia diz -me qualquer coisa, tenho medo porque está muito escuro.' A tia respondeu-lhe: 'De que é que isso te serve se não me podes ver?' 'Isso não tem importância', respondeu a criança; 'desde que alguém me fale, há luz.' ". (Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, p. 166)

3. As memórias destes sons fazem parte desta história e são elas que dão colorido aos registos que permanecem connosco por gerações.

E que bela memória nos apresenta Fátima T. Milheiro para nos transmitir, cantando, as melodias que nos estão no ouvido mas que só ela sabe interpretar com a mestria que lhe reconhecemos.
Felizmente, ficam também aqui registadas e podem ser acedidas pelo QR Code que remete para o site arte das musas para as histórias e as músicas cantadas pela Fátima. 

4. A exposição esteve patente ao público até final de Dezembro. Era bom que conforme então se perspectivava que na Primavera de 2024 a exposição pudesse ser visitada no local onde estes sons nasceram - S. Miguel d'Acha.


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