segunda-feira, 2 de maio de 2011

Os que viveram uma vida generosa


           - Os homens e mulheres bons, as crianças que morreram cedo, os loucos, os que sofreram muito em vida sem causarem mal a ninguém estão espalhados pelo Universo. Todos os inocentes e todos os que viveram uma vida generosa, uma vida digna, uma vida em que pensaram nos outros que vinham a seguir, esses, são transformados em estrelas e vivem espalhados pelo Universo. Os outros vivem aqui, no Planeta Branco, que, como eu disse, é a terra da paz infinita, do descanso eterno.
           - Então, é melhor ser uma estrela? - quis saber Lydia.
           - Sim, é bem melhor: as estrelas têm a mesma paz que os que vivem aqui, mas, além disso, e como foram generosos na vida, têm o privilégio de continuar a assistir à vida cá de cima. Vêem a Terra à distância, mas como se lá estivessem. Vêem aqueles que amavam e que deixaram lá em baixo, vêem as montanhas e as planícies, sentem o calor do Sol, o cheiro do mar e o perfume das flores, ouvem a música que vem da Terra, sentem os sabores sem terem de comer, sentem a extrema felicidade de assistir a tudo sem angústias e sem medo de morrer, porque já estão mortos, embora continuem a desfrutar à distância desse milagre cósmico que é a vida no planeta Terra.
          Lydia ficou uns instantes a pensar no que tinha ouvido. Lembrou-se então do seu pai, que morrera dois anos antes e que fora um homem bom e o mais justo que ela conhecera em toda a sua vida.

Miguel Sousa Tavares, O Planeta Branco, Oficina do Livro, pag. 73 e 74.

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